terça-feira, maio 11, 2010

Quando a plutocracia demoniza os “fracos”

da introdução do livro War Against the Weak, de Edwin Black

Vozes assombram as páginas de todo livro. Esse livro, em particular, fala em nome dos não-nascidos, em nome daqueles cujas perguntas nunca foram ouvidas — daqueles que nunca existiram.

Através das seis primeiras décadas do século 20, centenas de milhares de norte-americanos e um número não calculado de outros não tiveram a permissão de continuar suas famílias através da reprodução. Selecionados por causa de sua ancestralidade, origem nacional, raça ou religião, eles foram esterilizados à força, erroneamente internados em instituições psiquiátricas onde morreram em grande número, proibidos de casar e algumas vezes “descasados” por burocratas estatais. Nos Estados Unidos, essa batalha para acabar com grupos étnicos foi lutada não por exércitos armados ou por seitas de ódio às margens da sociedade. Em vez disso, essa guerra de luvas brancas foi levada adiante por professores estimados, universidades de elite, ricos industriais e autoridades do governo que se juntaram em um movimento racista e pseudocientífico chamado “eugenia”. O objetivo: criar uma raça Nórdica superior.

Para perpetuar a campanha, fraude acadêmica generalizada combinada com filantropia corporativa sem limites estabeleceram as razões biológicas para a perseguição. Empregando um amálgama de achismos, fofoca, informação falsificada e arrogância acadêmica polissilábica, o movimento pela eugenia lentamente criou uma burocracia nacional e uma infraestrutura jurídica para limpar os Estados Unidos dos “unfit”. Testes de inteligência, coloquialmente conhecidos como QI, foram inventados para justificar a prisão de um grupo definido como “feebleminded”. Frequentemente os assim chamados eram apenas tímidos, de boa fé para serem levados a sério, falavam os idiomas “errados” ou tinham a cor da pele “errada”. Leis de esterilização forçada foram aprovadas em vinte e sete estados para evitar que indivíduos-alvo produzissem mais gente de seu tipo. Leis de proibição do casamento proliferaram nos Estados Unidos para evitar a mistura de raças. Litígios foram levados até a Suprema Corte, que aprovou a eugenia e suas táticas.

O objetivo imediato era esterilizar imediatamente 14 milhões de pessoas nos Estados Unidos e mais alguns milhões no mundo — o “décimo mais baixo na escala social” — e assim continuamente eliminar o décimo “inferior” até restar apenas uma super-raça Nórdica. No fim das contas, 60 mil norte-americanos foram esterilizados à força e o total pode ser muito maior. Ninguém sabe exatamente quantos casamentos foram evitados pelas leis estaduais. Embora muito da perseguição tenha sido simplesmente resultado de racismo, ódio étnico ou elitismo acadêmico, a eugenia vestiu o manto de ciência respeitável para esconder seu verdadeiro caráter.

As vítimas da eugenia eram moradores pobres de áreas urbanas e o “lixo branco” da zona rural, da Nova Inglaterra à Califórnia, imigrantes que chegavam da Europa, negros, judeus, mexicanos, indígenas, epiléticos, alcoólatras, batedores de carteira e doentes mentais ou qualquer um que não se enquadrasse no ideal Nórdico dos loiros de olhos azuis que o movimento da eugenia glorificava.

A eugenia contaminou muitas outras causas sociais, médicas e educacionais nobres, do movimento pelo controle da natalidade ao desenvolvimento da psicologia ao movimento pelo saneamento urbano. Psicólogos perseguiram seus pacientes. Professores estigmatizaram seus alunos. Associações de caridade pediram para mandar aqueles que pediam ajuda para câmaras da morte que esperavam ver construídas. Escritórios de apoio à imigração conspiraram para mandar os mais necessitados para programas de esterilização. Líderes da oftalmologia conduziram uma longa campanha para perseguir e esterilizar à força todos os parentes de todos os americanos com problemas na visão. Tudo isso aconteceu nos Estados Unidos anos antes da ascensão do Terceiro Reich na Alemanha.

A eugenia tinha como alvo a Humanidade, assim seu escopo era global. Os evangelistas da eugenia provocaram movimentos similares na Europa, na América Latina e na Ásia. Leis de esterilização forçada apareceram em todos os continentes. Cada estatuto ou regra da eugenia — da Virgínia ao Oregon — foi promovida internacionalmente como mais um precedente para incentivar o movimento internacional. Uma pequena e fechada rede de jornais médicos ou proponentes da eugenia, encontros internacionais e conferências mantiveram os generais e os soldados do movimento em dia e armados para tirar proveito da próxima oportunidade legislativa.

Eventualmente, o movimento de eugenia dos Estados Unidos se espalhou para a Alemanha, onde causou fascínio em Adolf Hitler e no movimento nazista. Sob Hitler, a eugenia foi muito além do sonho de qualquer eugenista norte-americano. O Nacional Socialismo transformou a busca americana por uma “raça superior Nórdica” na busca de Hitler por uma “raça ariana superior”. Os nazistas gostavam de dizer que “o Nacional Socialismo não é nada mais que biologia aplicada”, e em 1934 o Richmond Times-Dispatch publicou a frase de um proeminente eugenista norte-americano segundo a qual “os alemães estão nos derrotando em nosso próprio jogo”.

A eugenia nazista rapidamente venceu o movimento norte-americano em velocidade e ferocidade. Nos anos 30, a Alemanha assumiu a liderança do movimento internacional. A eugenia de Hitler teve o apoio de decretos brutais e das máquinas de processamento de dados da IBM, de tribunais de eugenia, programas de esterilização em massa, campos de concentração e do virulento antissemitismo biológico — tudo com aprovação aberta dos eugenistas norte-americanos e de suas instituições. Os aplausos diminuiram, mas apenas relutantemente, quando os Estados Unidos entraram em guerra em dezembro de 1941. Então, sem que o mundo soubesse, os guerreiros da eugenia alemães operavam campos de exterminio. Eventualmente, a loucura da eugenia alemã levou ao Holocausto, à destruição dos ciganos, ao estupro da Polônia e à dizimação da Europa.

Mas nada do racismo científico dos Estados Unidos teria se espalhado sem apoio da filantropia corporativa.

Nestas páginas você vai conhecer a triste verdade sobre como as razões científicas que levaram aos médicos assassinos de Auschwitz foram primeiro formuladas em Long Island, no laboratório de eugenia da Carnegie Institution em Cold Spring Harbor. Você descobrirá que no regime de Hitler antes da guerra, a Carnegie, através de seu complexo de Cold Harbor, propagandeava de forma entusiasmada o regime nazista e distribuia filmes antissemitas do Partido Nazista em escolas dos Estados Unidos. E você vai descobrir as ligações entre os grandes aportes financeiros da Fundação Rockefeller e o establishment científico alemão, que deram início aos programas de eugenia que resultaram em Mengele em Auschwitz.

Só depois que a verdade sobre os campos de extermínio nazista se tornou pública o movimento americano pela eugenia perdeu força. Instituições de eugenia dos Estados Unidos correram para trocar o nome, de “eugenia” para “genética”. Com sua nova identidade, o que restou do movimento se reinventou e ajudou a estabelecer a moderna e iluminada revolução da genética humana. Embora a retórica e os nomes tenham mudado, as leis e os modos de pensar ficaram em seu lugar. Assim, décadas depois que o julgamento de Nuremberg rotulou os métodos da eugenia de genocídio e crime contra a humanidade, os Estados Unidos continuaram a esterilizar à força e a proibir casamentos “indesejáveis”.

Comecei dizendo que este livro fala em nome dos nunca nascidos. Também fala em nome das centenas de milhares de refugiados judeus que tentaram escapar do regime de Hitler mas tiveram os pedidos de visto negados pelos Estados Unidos por causa do ativismo abertamente racista da Carnegie Institution. Além disso, estas páginas demonstram como milhões foram assassinados na Europa precisamente porque foram rotulados como formas inferiores de vida, que não valia a existência — uma classificação criada nas publicações e pesquisas acadêmicas da Carnegie Institution, certificadas através de financiamentos da Fundação Rockfeller, validadas por acadêmicos das melhores universidades da Ivy League e financiadas pela fortuna ferroviária da família Harriman. A eugenia não foi mais que a filantropia corporativa “gone wild”.

Hoje, enfrentamos o retorno potencial da discriminação da eugenia, não sob bandeiras nacionais ou credos políticos, mas em função da ciência do genoma humano e da globalização corporativa. Declarações diretas de domínio racial estão sendo substituídas por campanhas de relações públicas e patentes. O poderoso dólar pode em breve decidir quem fica de que lado na “divisão genética” já em demarcação pelos ricos e poderosos. Quando estamos a caminho de um novo horizonte, confrontar nosso passado pode nos ajudar a enfrentar o futuro que nos espera.

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/quando-a-plutocracia-demoniza-os-fracos.html