terça-feira, agosto 15, 2006

Entrevista do Marcola (PCC)

Jornal: O GLOBO
Editoria: Segundo Caderno
Edição: 1, Página: 8
23/05/2006
Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema
O GLOBO: Você é do PCC?
- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível... vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...
O GLOBO: - Mas... a solução seria...
- Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de "solução" já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios...). E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.
O GLOBO: - Você não têm medo de morrer?
- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá fora.... Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba... Estamos no centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem.Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.
O GLOBO: - O que mudou nas periferias?
- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas"... ha, ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.
O GLOBO: - Mas o que devemos fazer?
- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete anti-tanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo. Já pensou? Ipanema radioativa?
O GLOBO: - Mas... não haveria solução?
- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco...na boa... na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogna speranza voi cheentrate!" Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.
Contribuição de J. Kemps

domingo, agosto 13, 2006

"Os Cordeirinhos"

I - Queimando o cordeirinho:
Alvo como o dia pululava o cordeirinho por entre os pastos verdejantes da planície palestina. O sol brilhava lindamente naquele dia e o cordeirinho parou para saciar a sua sede em um olho d’água que jorrava água como o mar. Água mais límpida como a da mais pura fonte.
Nesse ínterim, um fervoroso crente se apoderou do pobre cordeirinho e cortou-lhe a água doce como cristal, o dia ensolarado, os pastos verdejantes, sua prática de existência e atirou-o aos deuses em um sacrifício.
II - A vingança dos cordeirinhos:
Escolheram logo o mais rechonchudinho dentre os homens vistos nas cercanias das planícies verdejantes nas proximidades do olho d’água e os vários cordeirinhos amarraram o gordinho com as mãos em cima de uma pedra, sagrada para os cordeirinhos, e começaram a espancar-lhe os dedos com seus cascos até quando eles, os dedos, ficaram homogêneos com a Grande Pedra, agora vermelha e gordurosa.
Saciada da sede que lhe afligia a Pedra inspirou os cordeirinhos a descascarem o homem em pancadas com seus cascos em cima de uma pedra muito maior.
Mas houve algumas dificuldades: 1° a outra pedra era muita maior; 2° o gordinho se remexia muito com cada cascada; 3° ele gritava coisas e coisas numa língua estranha; 4° assim deixava os cordeirinhos muito furiosos. Mas tudo ficou mais fácil quando os ossos começaram a se partir; principalmente quando o homem aceitou sua pedra e cessou de falar. Os cordeirinhos perceberam que poderiam saciar a sede de todas as pedras.
Os cordeirinhos não pararam mais; foram atrás de mais e mais homens para difundir sua pintura, sua mais refinada arte do contraste entre o verde e o vermelho das pedras nas planícies verdejantes. Os cordeirinhos tornaram-se grandes estetas.
Escritos do Jovem Anísio

sexta-feira, agosto 11, 2006

Intimidade

Ela disse: - Já aconteceu antes mesmo, só agora consigo lembrar. A faca em suas mãos brincava, contudo, deve-se ressaltar que havia pouca intimidade na brincadeira, mas ainda assim seguiam cúmplices as mãos e o punhal prateado. Enquanto ele, que jamais se apercebera de qualquer aspecto possivelmente mórbido de sua cônjuge, por um instante viu desenhar-se em sua frente um monstro íntimo. Atemorizou-se em silêncio, e pediu quase gaguejando: - ... Solte isso (evitou mencionar a lâmina), meu amor. Ela, mudara de aspecto. Um sorriso semi-serrado delineou-se em seus olhos; e, de um golpe sem repetição, apunhalou-o violentamente no pescoço.
Escritos Anisíacos, s/e, s/d.

terça-feira, agosto 08, 2006

Cague 1 kg e seja feliz!!!

Realmente sei que não falarei nada novo, mas confesso que demorei um bocado a entender, e por isso minha trajetória na universidade tem sido um tanto quanto frustrante. Longe de qualquer historicismo, descobri a lei geral que regula, seleciona e controla o discurso acadêmico, e como quem a conhece não fala, e nas minhas pesquisas não achei nada a respeito a batizei assim:
Cague 1 Kg e seja feliz!!!
É assim que me sinto e sei não estar só, e como não gosto de segredos desejo que todos caguem 1 Kg e sejam felizes, com boas notas e quiçá uma boa bolsa de pesquisa. Para facilitar nossa vida, elaboramos cientificamente uma lista tipo internet. Lá vai:
Faça estritamente o que seu professor mandar, pois ele é Doutor e só ele sabe.
Não use teorias estranhas, prefira as clássicas. Já que não somos artistas para falar de representações nem lingüistas pra falar de discursos.
Abuse em citações e rebuscamento na linguagem, pois, você deve ser um erudito, mesmo que não diga nada.
Evite a todo custo análises, você não tem poder para isso.
Faça intervenções na sala de aula citando todos os fulanos-de-tal possíveis e ainda melhor se o seu mestre tiver alguma publicação, se você citá-la para ele em uma sala de aula ele vai lhe amar.
Se ofereça para carregar as tranqueiras do mestre no final da aula como retroprojetor, livros e até seus pincéis atômicos, aproveitando o tempo para falar de como aula foi genial.
Ao findar a aula vá tirar suas dúvidas, se não tiver invente. Fique disputando sua atenção com os outros, como mariposas na luz do saber...
Se fizer movimento estudantil:
1: Esqueça tudo o que dizem na sala de aula sobre revolução, abertura e luta, pois são corporativistas até o talo.
2: Não discuta com eles nem os exponha divulgando a avaliação do docentes no corredor.
3: Prefira ser sempre ameno, fazer encontros acadêmicos e rir das suas piadas
4: Se você conseguir fazer isso tudo e ainda se tornar amigo de um professor, seu mestrado estará garantido.
Cague 1 Kg e seja feliz!!!
Pois é. Bem meus caros leitores (se houver algum), cagar 1 Kg além de estimular nosso raciocínio e manter-nos dentro dos padrões acadêmicos lícitos, permite-nos apropriar da matéria bruta do pensamento clássico, digeri-lo e transformá-los em merda, produto final de nossas produções sejam elas políticas, alimentícias, morais, religiosas, e por aí vai...
Cagar 1 Kg é um ato do amor sublime e que nos remete ao nosso incrível passado; que bem buscamos e tentamos interpretar, procuramos ai o orgulho nacional, algo que enfim nos sustente. Nós, ilustres historiadores, sonhos das sogras moderninhas e intelectualizadas, providas de bom senso e que oram por suas filhas na busca de um bom partido, inteligente, respeitável, um exemplo.
Nós, a grande promessa da humanidade, nós que passamos no vestibular e perante a sociedade gênios ... (sic.)
por (A)berração

Sobre coletivos...

Antes de todo o começo vem a espera; acendo um cigarro; é... este maldito amigo faz com que os minutos de espera sejam melhor digeridos, ou melhor dizendo, tragados. Até me faz querer que o ônibus não chegue enquanto o cigarro não houver acabado. Mas para o meu azar não chego a dar dois tragos e aquele monstro de ferro, vidro e gente chega.
Joguei apressado o cigarro e a primeira de uma série de batalhas tem início: 1- tentar adivinhar onde diabos o motorista vai parar e tentar me posicionar da melhor forma; 2- há muita gente levantando os malditos dedos e, se, somente se o ônibus não estiver lotado, e ficará (o que reforça minha angustia de número 1), sentarei.
Tento subir no ônibus da maneira mais polida possível, mas, acabo por perder a paciência com um velho manco, que além de feder, acha que pode ficar empurrando as pessoas que estão a sua frente na fila; eu findei por dar um solavanco no velho fedido, e subi abruptamente gerando alguns comentários indignos de nota. Enfim reflitam comigo (é sério!), o velho teria a sua cadeira garantida e se não fosse velho o suficiente era manco, e eu não... às vezes é realmente um incomodo não pertencer a nenhuma minoria.
Fiz tudo certo, e como era de se esperar de nada adiantou: o ônibus estava completamente lotado, eu logo começava a pedir: - “Licença... licença...”. Quando comecei toda a estratégia de disputa por um lugar no ônibus... as pessoas se aboletavam nos lugares onde provavelmente aquela pessoa sentada não tardaria a descer, e com muito esforço, consegui me encaixar entre dois sovacos, para guardar com muito afinco meu lugar. Tudo bem que tivesse alguém sentado em "meu" lugar, mas com sorte este dono temporário não tardaria a descer.
Estava eu entre duas axilas num empurra-empurra daqueles, e como as desgraças nunca são poucas, o motorista dirigia feito um louco, um condutor de carro-de-boi, um maquinista de trem fantasma onde todos estão mortos mesmo; onde não haveria motivos para dirigir com cautela. O que quase instantaneamente me lembrou uma música dos Raimundos em sua fase áurea, quando se preocupavam com as mazelas cotidianas nacionais. A música é “Esporrei na manivela” e o trecho que acho que se encaixa perfeitamente, como uma lei, sem analogias é: “No coletivo o que manda é a lei do pau/ Quem tem, esfrega nos outros/ Quem não tem só se dá mal...”. Isso realmente me incomodou muito. Tinha a sensação de que dentro de pouco seria estuprado, aí pensei aflito nas mulheres que não tem, pensei também em toda a luta feminista da emancipação do sexo não-tão-frágil-assim, e cheguei a uma sábia conclusão e espero que sirva a luta feminista: a emancipação real das mulheres é impossível enquanto houver coletivos. Depois parei pra olhar uma doida gostosinha...
Continua...
por (A)berração

segunda-feira, agosto 07, 2006

Smells Like Teen Spirit

Meninos choram no espelho sobre o manto frio da sociedade instituída. Seus olhos entristeceram, suas mentes estão confusas e seus olhos, vermelhos de tanto fumar maconha. Sobre a sua mesa de cabeceira, uma revista pornográfica e uma mão melada de esperma. Um dia após o outro, a criança se torna homem, e o homem vira uma criança. A cara enche de espinhas, e o sangue ferve por algo novo que combata os padrões de uma sociedade conservadora. Porém, ao deitar no seu quarto escuro, o jovem reza para a Santa Maria proteger a sua família dos monstros que se escondem debaixo do seu travesseiro. Assim, a criança covarde, o adolescente inseguro e a viúva católica incorporam um só indivíduo. Quando o ser humano chega a tal estágio de inconformismo conservador, ele está pronto a entrar na instituição de nome “Juventude”.
Em pouco tempo, aquele bebê que todos achavam uma gracinha, torna-se uma criatura abominável, cheia de pelos e fedorenta, tão assustadora que seus pais gastam fortunas para a acomodação social desses seres horríveis, iguais a eles. E a paternidade se encontra tão presente, como se precisassem trocar suas fraldas. A diferença é que o dinheiro investido no “Talquinho Pom-Pom” agora é repassado para psicanalistas, vinho carreteiro, planos de saúde e desodorante. Mas o ser estranho ignora a sua dependência (pelo menos no campo da ilusão) e vive como um pseudo-independente, jogado nos bares da cidade e revoltado com o seu destino: tornar-se um cidadão respeitador das leis e da ordem. Quando chega a tal grau de indignação, ele filosofa e conclui que tirar catota do nariz assistindo a novela das sete é mais confortável do que sair pelas ruas declarando uma nova ordem. Ele se pergunta: “Quantas esperanças depositamos, ao longo de nossas vidas, em ideais que não foram concretizados e talvez nunca sejam?” Muitas vezes, essas esperanças significaram um motivo para um grito, para um voto, para um protesto, e o desmoronamento delas resultou em desconsolo e lágrimas. Em quantos momentos agarramos a bandeira dos nossos sonhos e saímos em passeata, seja na rua sem nome, seja na grande avenida principal, e no outro dia ficávamos surpreendidos com uma notícia no jornal desmerecendo a nossa luta?
Reza criatura fétida! Reza Porco Imundo, pois as almas dos escaravelhos da ditadura te torturam no Jornal Nacional. A crença católica do juízo final te incomoda mais do que os carrapatos alojados em teu umbigo. Depois dorme um sono tranqüilo e, quando acordares, não se assuste com teus filhos, tua casa, teu emprego, teus quarenta anos. Lembra-te de que, por trás das garrafas de uísque escocês ou de Pitú, além do teu livro de cabeceira, existe uma canção que te trás a lembrança de teus desejos mais secretos e como os teus sonhos foram sendo despedaçados pelas tuas escolhas.
por Cara de Baga

Às vezes pinta uma coisinha, uma carreira, uma pedra, uma dose ou (novo personagem) (A)berração

(A)berração tem agora sua versão digital... dos corredores do Grande Navio (oficialmente conhecido como CFCH-UFPE) para o mundinho blogueiro...
por (A)berração