segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Sobrecú: Antevisão da Lupercalía?

Seis anos nos separam de jovens alucinados, bêbados, exemplarmente drogados, com o espírito voraz pela vida e nos lábios o grande Sim. Não se sabe ao certo o número deles, alguns textos inescritos citam três, outros sete e os mais exagerados, alardeiam aproximadamente, cinqüenta e quatro pessoas; o que apesar da precisão dos números deve-se ter cuidado ao tomar como verossímil.

Apesar do gosto compartilhado pela fala, poucas palavras fizeram-se necessárias para que emergisse um bloco carnavalesco. O lugar e hora onde essas palavras foram pronunciadas perderam-se em memórias ávidas pelo presente. Assim como os passos de pombos que infestam a cidade o acontecimento Sobrecú tomou forma: por entre sussurros ao pé-do-ouvido, gritos e gestos bruscos em mesas de bares espúrios, monólogos de bêbada sabedoria, risos e delírios.


As armas, ou brinquedos: a sátira, a ironia, o desdém, o descompromisso com tudo que não levasse a sério (e as últimas conseqüências) o Riso. A forma: absolutamente maleável, imprevisível, inspirada no jazz de Charles Mingus e Miles Davis, na potência beethoviana, na lisérgica música que explode em fluidos rosas, nos ruídos quase musicais do mundo. Uma festa para deuses. Deuses do passado, deuses do por vir: Dionísio, Baco, Pã, Fauno, Zaratustra e todos os demais deuses que dançam, e todos os que não nasceram ainda. O sacrifício: o próprio corpo entregue, suor e desejo a “resoluta urgência do agora”.



Ambicionaram um eterno-vagar-sem-origem-ou-fim, preparados a qualquer acontecimento im-possível.

Certos que “todos os dias nascem deuses”, o Sobrecú prepara mais uma liturgia ao futuro: “velhos carnavais, que já se foram e que não voltam mais, fiquem para trás, pois o que quero é brincar bem mais”. E mais além, “noventa e sete foi um ano difícil... setenta e quatro foi um ano pior... dois mil e oito está sendo legal, dois mil e quarenta e nove vai ser muito melhor.” O palco orgástico não é mais a velha Roma, como nos tempos das Lupercalías, nem a mais velha Grécia e as deliciosas e ditírambicas Grandes Dionisíacas, mas Recife: “Eita cidade maluca, quando eu saí tava sol, depois choveu, ventou forte, agora já tá sol.” Mais especificamente, o tortuoso caminho tem seu apogeu em Afogados, como o intuito de “pegar o Sobrecú, que é uma carne muito boa pra gente tomar pitu” ou quem sabe um “um doce”; e, quando um dos donos da múltipla festa das carnes aparecer “Satanás”, “eita zica” “toma um L que passa”.

O Sobrecú não é a Lupercália, nem mesmo uma Grande Dionisíaca, não é uma duplicação ilusória de um fantasma anacrônico; é a repetição futura de um acontecimento desconhecido. “Se todos vivessem seus sonhos efêmeros, fantasias se tornariam reais e o carrossel de fantasias teria fim.” O Sobrecú em vez pretender a sobreposição (de todo e de sempre) idealista do fantástico ao Real, ao contrário, ele é o agenciamento desse carrossel fantástico com a frágil e esfumaçada realidade.

E mais além, sempre mais ainda, para olhos maldosos o suficiente será possível entrever por entre corpos hodiernos, os deuses antigos, libações e sacrifícios mágicos que habitam os espíritos no Carnaval.



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