quarta-feira, outubro 31, 2007

Tropa de Elite: A criminalização da Pobreza.

Por Ivan Pinheiro

"Homem de preto.
Qual é sua missão?
É invadir favela
E deixar corpo no chão"
(refrão do BOPE)

Não dá cair no papo furado de que "Tropa de Elite" é "arte pura" ou "obra aberta". Um filme sobre questões sociais não podia ser neutro. Trata-se de uma obra de arte objetivamente ideológica, de caráter fascista, que serve à criminalização e ao extermínio da pobreza. É possível até que os diretores subjetivamente não quisessem este resultado, mas apenas ganhar dinheiro, prestígio e, quem sabe, um Oscar. Vão jurar o resto da vida que não são de direita. Aliás, você conhece alguém no Brasil, ainda mais na área cultural, que se diga de direita?
Como acredito mais em conspirações do que no acaso, não descarto a hipótese de o filme ter sido encomendado por setores conservadores. Estou curioso para saber quais foram os mecenas desta caríssima produção, que certamente foi financiada por incentivos fiscais.
O filme tem objetivos diferentes, para públicos diferentes. Para os proletários das comunidades carentes, o objetivo é botar mais medo ainda na "caveira" (o BOPE, os "homens de preto"). O vazamento escancarado das cópias piratas talvez seja, além de uma estratégia de marketing, parte de uma campanha ideológica. A pirataria é a única maneira de o filme ser visto pelos que não podem pagar os caros ingressos dos cinemas. Aliás, que cinemas? Não existe mais um cinema nos subúrbios, a não ser em shopping, que não é lugar de pobre freqüentar, até porque se sente excluído e discriminado.
No filme, os "caveiras" são invencíveis e imortais. O único que morre é porque "deu mole". Cometeu o erro de ir ao morro à paisana, para levar óculos para um menino pobre, em nome de um colega de tropa que estava identificado na área como policial. Resumo: foi fazer uma boa ação e acabou assassinado pelos bandidos.
Para as classes médias e altas, o objetivo do filme é conquistar mais simpatia para o BOPE, na luta dos "de cima", que moram embaixo, contra os "de baixo", que moram encima.
Os "homens de preto" são glamourizados, como abnegados e incorruptíveis. Apesar de bem intencionados e preocupados socialmente, são obrigados a torturar e assassinar a sangue frio, em "nosso nome". Para servir à "nossa sociedade", sacrificam a família, a saúde e os estudos. Nós lhes devemos tudo isso! Portanto, precisam ser impunes. Você já viu algum "caveira" ser processado e julgado por tortura ou assassinato? "Caveira" não tem nome, a não ser no filme. A "Caveira" é uma instituição, impessoal, quase secreta.
Há várias cenas para justificar a tortura como "um mal necessário". Em ambas, o resultado é positivo para os torturadores, ou seja, os torturados não resistem e "cagüetam" os procurados, que são pegos e mortos, com requintes de crueldade. Fica outra mensagem: sem aquelas torturas, o resultado era impossível.
Tudo é feito para nos sentirmos numa verdadeira guerra, do bem contra o mal. É impossível não nos remetermos ao Iraque ou à Palestina: na guerra, quase tudo é permitido. À certa altura, afirma o narrador, orgulhoso : "nem no exército de Israel há soldados iguais aos do BOPE".
Para quem mora no Rio, é ridículo levar a sério as cenas em que os "rangers" sobem os morros, saindo do nada, se esgueirando pelas encostas e ruelas, sem que sejam percebidos pelos olheiros e fogueteiros das gangues do varejo de drogas! Esta manipulação cumpre o papel de torná-los ainda mais invencíveis e, ao mesmo tempo, de esconder o estigmatizado "Caveirão", dentro do qual, na vida real, eles sobem o morro, blindados. O "Caveirão", a maior marca do BOPE, não aparece no filme: os heróis não podem parecer covardes!
O filme procura desqualificar a polêmica ideológica com a esquerda, que responsabiliza as injustiças sociais como causa principal da violência e marginalidade. Para ridicularizar a defesa dos direitos humanos e escamotear a denúncia do capitalismo, os antagonistas da truculência policial são estudantes da PUC, "despojados de boutique", que se dão a alguns luxos, por não terem ainda chegado à maioridade burguesa.
Os protestos contra a violência retratados no filme são performances no estilo "viva rico", em que a burguesia e a pequena-burguesia vão para a orla pedir paz, como se fosse possível acabar com a violência com velas e roupas brancas, ou seja, como se tratasse de um problema moral ou cultural e não social.
A burguesia passa incólume pelo filme, a não ser pela caricatura de seus filhos que, na Faculdade, fumam um baseado e discutem Foucault. Um personagem chamado "Baiano" (sutil preconceito) é a personificação do tráfico de drogas e de armas, como se não passasse de um desses meninos pobres, apenas mais espertos que os outros, que se fazem "Chefe do Morro" e que não chegam aos trinta anos de idade, simples varejistas de drogas e armas, produtos dos mais rentáveis do capitalismo contemporâneo. Nenhuma menção a como as drogas e armas chegam às comunidades, distribuídas pelos grandes traficantes capitalistas, sempre impunes, longe das balas achadas e perdidas. E ainda responsabilizam os consumidores pela existência do tráfico de drogas, como se o sistema não tivesse nada a ver com isso!
O Estado burguês também passa incólume pelo filme. Nenhuma alusão à ausência do Estado nas comunidades carentes, principal causa do domínio do banditismo. Nenhuma denúncia de que lá falta tudo que sobra nos bairros ricos. No filme, corrupção é um soldado da PM tomar um chope de graça, para dar segurança a um bar. Aliás, o filme arrasa impiedosamente os policiais "não caveiras", generalizando- os como corruptos e covardes, principalmente os que ficam multando nossos carros e tolhendo nossas pequenas transgressões, ao invés de subirem o morro para matar bandido.
A grande sacada do filme é que o personagem ideológico principal não é o artista principal. Este, branco, é o que mais mata. Ironicamente, chama-se Nascimento. É um tipo patológico, messiânico, sanguinário, que manda um colega matar enquanto fala ao celular com a mulher sobre o nascimento do filho.
Mas para fazer a cabeça de todos os públicos, tanto os "de cima" como os "de baixo", o grande e verdadeiro herói da trama surge no final: Thiago, um jovem negro, pacato, criado numa comunidade pobre, que foi trabalhar na PM para custear seus estudos de Direito, louco para largar aquela vida e ser advogado. Como PM, foi um peixe fora d'água: incorruptível, respeitava as leis e os cidadãos. Generoso, foi ele quem comprou os óculos para dar para o menino míope. S
Sua entrada no BOPE não foi por vocação, mas por acaso.
Para ficar claro que não há solução fora da repressão e do extermínio e que não adianta criticar nem fazer passeata, pois "guerra é guerra", nosso novo herói se transforma no mais cruel dos "caveiras" da tropa da elite, a ponto de dar o tiro de misericórdia no varejista "Baiano", depois que este foi torturado, dominado e imobilizado. Para não parecer uma guerra de brancos ricos contra negros pobres, mas do bem contra o mal, o nosso herói é um "caveira" negro, que mata um bandido "baiano", de sua própria classe, num ritual macabro para sinalizar uma possibilidade de "mobilidade social", para usar uma expressão cretina dos entusiastas das "políticas compensatórias" .
A fascistização é um fenômeno que vem sendo impulsionado pelo imperialismo em escala mundial. A pretexto da luta contra o terrorismo, criminalizam- se governos, líderes, povos, países, religiões, raças, culturas, ideologias, camadas sociais.
Em qualquer país em que "Tropa de Elite" passar, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, o filme estará contribuindo para que a sociedade se torne mais fascista e mais intolerante com os negros, os imigrantes de países periféricos e delinqüentes de baixa renda.
No Brasil, a mídia burguesa há muito tempo trabalha a idéia de que estamos numa verdadeira guerra, fazendo sutilmente a apologia da repressão. Sentimos isso de perto. Quantas vezes já vimos pessoas nas ruas querendo linchar um ladrão amador, pego roubando alguma coisa de alguém? Quantas vezes ouvimos, até de trabalhadores, que "bandido tem que morrer"?
Se não reagirmos, daqui a pouco a classe média vai para as ruas pedir mais BOPE e menos direitos humanos e, de novo, fazer o jogo da burguesia, que quer exterminar os pobres, que só criam problemas e ainda por cima não contam na sociedade de consumo. Daqui a pouco, as milícias particulares vão se espalhar pelo país, inspiradas nos heróicos "homens de preto", num perigoso processo de privatização da segurança pública e da justiça. Não nos esqueçamos do modelo da "matriz": hoje, os mais sanguinários soldados americanos no Iraque são mercenários recrutados por empresas particulares de segurança, não sujeitos a regulamentos e códigos militares.
Parafraseando Brecht, depois vai sobrar para nós, que teimamos em lutar contra o fascismo e a barbárie, sonhando com um mundo justo e fraterno.
A trilha sonora do filme já avisou:
"Tropa de Elite,
Osso duro de roer,
Pega um, pega geral.
Também vai pegar você!"

7 comentários:

  1. Nossa! É muita teoria da conspiração mesmo. Você dorme à noite? =) Acho mesmo que Tropa de Elite não é “arte pura” porque acho que arte pura não existe. Afinal, tudo o que é feito pelo ser humano é ideologizado. Mas acho que ninguém discute que Tropa de Elite é um filme ideologizado mesmo porque ele foi baseado num livro escrito por ex-capitães do BOPE. Ou seja, a visão ali retratada é marcada por esse olhar e toda pessoa que vai assistir ao filme chega à sala de cinema avisada, mesmo porque o filme é narrado, em 1ª pessoa, pelo Capitão Nascimento. Só acho que o cinema, o teatro assim como a literatura são obras que partem de uma autoria, se Padilha fez o filme a partir do relato de um ex-capitão do BOPE seria muito inocente esperar que o filme fosse imparcial, objetivo. Ele parte sim do ponto de vista do narrador, que nesse caso é o personagem de Wagner Moura. É a mesma coisa que exigir que Abusado, escrito a partir dos depoimentos do próprio VP, não trouxesse uma visão mais social da criminalidade. Ou extrapolando, que Bentinho minimizasse as evidências de infidelidade de Capitu. Não sei se você assistiu “Ônibus 174”, do mesmo diretor, mas acho fundamental ver esse filme também para formar uma percepção melhor de como a obra de arte parte de um ponto de vista que não deve se confundido com uma propaganda. Em ônibus 174, Padilha foi acusado de descriminalizar o bandido. Em Tropa de Elite, de criminalização da pobreza. Acho que quando um autor de novela resolve discutir o racismo em seus capítulos com a presença de algum personagem racista, não devemos subentender que ele está fazendo a propaganda desse tipo de comportamento.
    Concordo que o filme constrói os personagens do BOPE como homens incorruptíveis, promovendo a maior simpatia do público com os tropas. Mas também mostra o despreparo emocional e a falta de sensibilidade – até desumanização em determinados momentos – que fazem parte do dia-a-dia da polícia brasileira, seja ela corrupta ou não. Quanto ao caveirão, acho que ele não aparece no filme porque a trama é ambientada em 1997/1998 e os relatórios das comissões de campanhas contra o caveirão afirmam que esse veículo tem sido usado pela polícia há cerca de cinco anos atrás.
    Enfim, o que é importante é que quem assista ao filme faça o dircenimento de que o que está ali retratado não pode ser considerado real, mas um ponto de vista. É por isso que é importante debater, discutir o tema, pra que a recepção não seja irrestrita, mas responsável. Não é à toa que o filme tem pautado inúmeros debates em colégios, universidades, escritórios e mesas de bar.
    Também acho muita teoria da conspiração dizer que o filme vazou na internet como estratégia de uma campanha ideológica maior. Mas é um ponto de vista bem pessoal que, obviamente, merece ser discutido. Não sei se você tem acompanhado o processo de investigação desse caso, mas muita gente já foi interrogada, inclusive um ator que participa do filme e que diz ter ganhado uma cópia pirata de um dos responsáveis pela legenda, que são os profissionais acusados de ter espalhado o filme na Internet. Não consegui achar a notícia pra colocar uma referência aqui, mas estava ontem na Folha de S. Paulo.
    Discordo de você em muitos aspectos, minha visão é menos paranóica, mas diante das notícias de violência, alienação e insegurança que a gente vê por aí, só não é neurótico quem não vive. De qualquer forma, acho importante ler uma argumentação diferente para evitar justamente essa mistificação da obra. umabraço

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  2. Anônimo12:12 PM

    EHehehe, desculpa mas o texto acima não é de ninguém do (A)Berração... a gente tem uma postura de publicar textos sem citar autores, mas a escolha dos textos não tem critério... quer dizer, este texto aí foi postado porque acharam uma aberração. Na verdade concordamos(do, dei) com teus comentários, que é uma análise bem mais pé no chão que o texto postado. Ehehehhe, vou veremos se recupero(amos) o autor e colocamos(o) um comentário aqui com o e-mail dele... eehehehhe legal, gostei da resposta hahahahha.

    Aberrabraços

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  3. e é?
    e o (a)berração é escrito por quem? os textos são de quem?

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  4. Tem texto meu... Miranda... texto de Anísio... e texto de Breda (Aberração)... muita coisa também vem da internet... sempre procuro colocar o link ou o nome do autor... mas isso não é uma regra. No começo não havia o nome de quem postava... e assinavamos como aberração... esses foram os primeiros posts... feitos pelos colaboradores atuais e por alguns convidados... devidamente assinalados...
    é um blog meio bagunçado... a idéia é essa mesmo haha

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  5. Anônimo10:47 AM

    tire meu nome daí, seu maluco!

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  6. Anônimo4:07 AM

    Só existe um Breda no mundo é? hahaha

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  7. Anônimo1:41 PM

    existe menos que o teu! :-P

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